4 de março de 2022

Doenças Raras: Sinais de Esperança

De acordo com a OMS são Doenças Raras (DRs) as que afetam menos do que 65 pessoas em cada 100.000 habitantes. Acometem cerca de 7% da população, o equivalente a 14 milhões de brasileiros. O número total de diferentes DRs excede 8 mil, 80% delas de causa genética. Todas compartilham vários aspectos; 1) 75% se manifestam ainda na infância; 2) A regra é o atraso, erro ou falta de diagnóstico e tratamento; 3) Não tem cura e poucas tem tratamento específico, então os cuidados visam a melhoria da qualidade e expectativa de vida; 4) São geralmente crônicas, progressivas, e potencialmente fatais; 5) São desconhecidas da maioria dos profissionais de saúde, autoridades públicas e da população em geral; 6) Não são de interesse pelo poder público, afinal “Um problema que não existe não é um problema”; 7) Não são prioridade da indústria farmacêutica, que prefere desenvolver medicamentos para tratar mais pessoas; quando há interesse, alguns medicamentos são muito caros; 8) Poucos profissionais são especializados em DRs. Geneticistas são a especialidade médica com menor número de profissionais no Brasil; 9) As dificuldades de acesso a cuidados é regra mesmo para quem tem Plano de Saúde, visto os obstáculos nas contratualizações e coberturas; 10) Sofrem com a insensibilidade das agências de regulamentação às peculiaridades das DRs, que mereciam métricas de avaliação de custo-efetividade para incorporação de medicamentos e tratamentos diferentes daqueles que são rotineiramente utilizados para avaliar doenças frequentes.

Porém, neste cenário de trevas, há sinais de esperança. Nos últimos anos ocorreu um aumento exponencial na capacidade de diagnóstico das DRs, através de exames de genética como o Sequenciamento do Exoma, que podem diagnosticar DRs que jamais seriam diagnosticadas clinicamente. O “teste do pezinho” após 20 anos acaba de ter a sua ampliação no Brasil regulamentada por lei em 2021, e quando implementado de forma efetiva permitirá diagnóstico precoce de pelo menos 50 das 8 mil DRs. Nos últimos anos foram aprovados medicamentos específicos para diversas DRs. O empoderamento dos pacientes brasileiros com DRs já faz suas vozes serem ouvidas com frequência e amplitude através de inúmeras ONGs. Uma nova iniciativa do Ministério da Saúde para aprimorar a vigilância epidemiológica de anomalias congênitas tomou força em 2021 com a criação de um Grupo de Trabalho de vigilância integrada de fatores de risco para Anomalias Congênitas. São avanços tímidos diante da negligência histórica, mas que merecem ser valorizados. Só as Anomalias Congênitas afetam cerca de 5% de todos os nascidos vivos, e são a principal causa de mortalidade infantil em menores de 5 anos de idade no Brasil; mesmo assim, a política de atendimento no SUS para quem tem uma DR é ainda muito precária. Apenas 12 estados contam com Centros de Referência em DR. São 18 estabelecimentos credenciados pelo Ministério da Saúde, quando deveríamos ter no mínimo o triplo (pelo menos um em cada capital, um no interior de cada estado e um no Distrito Federal), e os Centros deveriam estar muito melhor equipados.

Mesmo que uma DR não te atinja de forma direta hoje, cabe a você como cidadão refletir em que sociedade queremos viver, o que queremos oferecer para os que ficam doentes. Queremos uma sociedade utilitária, em que vidas tenham um custo determinado por fármaco-economistas e tecnocratas, ou uma sociedade que não abra mão dos princípios de universalidade, igualdade e equidade, e que entenda e respeite que ninguém escolhe ter uma DR? De que adiantam os avanços na capacidade de diagnóstico e tratamento de DRs, se estes não forem acessíveis a quem é afetado por elas? Até quando as DRs permanecerão como um problema de Saúde Pública negligenciado no Brasil?

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